terça-feira, 18 de maio de 2010

A inevitabilidade do problema
Após o casamento, você percebe que algo nela nunca sequer namorou com você… Ou outro homem percebe antes e começa a olhar e se relacionar justamente com essas áreas intocadas, de onde nasce uma outra mulher: aquela que vai pedir divórcio.
Tal movimento é inevitável. Não há como controlar o outro e se assegurar de que você o está contemplando inteiramente. Sempre sobra algo. No entanto, seria melhor se não fôssemos tão vítimas, se pudéssemos chegar até pelo menos algumas áreas intocadas, não por medo de que outro chegue primeiro, mas para melhorar a qualidade da relação.
Na verdade, a profundidade de uma relação aumenta apenas pelo processo de não congelar e de sempre avançar mais um pouco para dentro um do outro, não exatamente pelo sucesso desse movimento ou pela “cobertura” atingida.
O primeiro ponto cego dos relacionamentos
Nossa cegueira é como uma prisão com horizontes tão amplos que sequer desconfiamos de seus limites. Não vemos algo justamente porque temos a experiência de ver tudo. Como diria Francisco Varela, nossa realidade sensorial nos parece 100% completa, sem nada faltando. Se outro ser (nosso amigo, um africano ou uma abelha) vê outra coisa, então é sinal claro de que ele está errado, alucinando.
O que vemos quando olhamos para nossa esposa ou para nosso namorado? Simples: o outro nos parece 100% como a identidade que foi construída pela relação. Um pai vê um filho no menino que estuda na sala com o amigo que vê o amigo que minutos antes era visto como aluno pela professora. Eis a primeira cegueira de uma relação: não olhamos para a mulher, mas pelo que construímos na relação com ela. Se uma relação surge como um namoro, ela passa a ser nossa namorada, não apenas como uma imagem mental, mas como um corpo diante de nós vivendo em um mundo específico que vai sendo pintado pelo casal.
A cegueira é também uma proteção, afinal lembrar que nossa namorada é uma mulher implica em admitir a possibilidade de que ela seja desejada e sinta desejo por outros, de que ela se transforme em namorada de outro. Ou em admitir que ela não lembra muito de nós enquanto está agindo como filha. Lembrar que nossa relação com ela não abraça 100% do seu ser (e nem deveria).
O segundo ponto cego dos relacionamentos“Murilo achava que me conhecia bem demais, ficou confiante: nunca olhou dentro da carapaça. Viu a carapaça e achou que aquilo é que era, que já estava tão fundo dentro de mim quanto alguém poderia estar. Mas o fundo é sempre mais embaixo, nem eu sei onde, e lá o Murilo nunca se aventurou. Casou com a rocha, se satisfez com a rocha e uma rocha era o que esperava que eu fosse.” –Alex Castro, em Mulher de um homem só
Além de confundirmos nossa mulher com a identidade que foi construída em sua relação conosco, há um outro ponto cego no interior mesmo dessa relação. No primeiro caso, não vemos as outras mulheres por trás de nossa namorada; no segundo, não vemos nem mesmo nossa mulher por completo. Ela chora debaixo do chuveiro, volta para a cama e não desconfiamos de nada. Ela coloca uma calcinha especial e estamos cansados demais para notar e tirá-la com gosto. Ela é sutilmente inferiorizada por sua família e você interpreta tudo como brincadeira…
Não é por acaso que talvez a maior reclamação feminina seja relacionada à solidão e à ausência do olhar desejante masculino. Ouçam o pedido da Vanessa da Mata representando todas as mulheres: “Não me deixe só”.
Ora, é por isso que algumas relações são tão transformadoras. Quando uma mulher realmente se sente viva, olhada, cuidada, preenchida dentro de uma relação, todas as outras identidades conseguem sentir esse calor. Se reduzimos os dois pontos cegos, atingimos uma base anterior à própria identidade de namorada que surge à nossa frente. Não só a namorada, mas a mulher inteira fica feliz.
Ao mesmo tempo, nós descobrimos como agir com esse ser mais amplo que a identidade do marido, mesmo quando estamos dentro de uma relação. Se fizermos isso com certa frequência, será mais fácil lidar com o fim dessa relação, com a morte do marido. Enquanto o marido estava em cena, outra coisa estava agindo. E essa outra coisa segue.
Os dois pontos cegos são inseparáveis. Sua superação, claro, não se dá de modo definitivo: ao tentarmos nos aproximar da totalidade do outro, percebemos que ela é inatingível, sempre expansível, como um horizonte. Não há fundo, não há essência. Nada além de um vasto espaço livre do qual o outro nasce diariamente

Um comentário:

  1. Ponto de vista interessante feito por um amigoe colocado aqui para nós mulheres refletirmos sobre o assunto

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